sábado, 29 de setembro de 2018

Bolsonaro e a autoverdade - Eliane Brum

Compartilhemos aqui no Tirinhas de Filosofia um artigo muito esclarecedor de Eliane Brum, publicado pelo site do jornal El País. O texto disseca o comportamento de eleitores de Jair Bolsonaro. Por que alguns fecham os olhos para a realidade? Ela destaca que o ato de dizer está sendo para muitos mais importante que o conteúdo da mensagem, se o que é dito é verdadeiro ou não. E lança uma preocupação: a autoverdade pode mudar os rumos do país. Para pior.

Nas palavras dela:
"Embora o conteúdo do que Bolsonaro diz obviamente influencia no apoio do seu eleitorado, me parece que ele é mais beneficiado pelo fenômeno que aqui estou chamando de autoverdade. O ato de dizer “tudo” e o como diz o que diz parece ser mais importante do que o conteúdo. A estética é decodificada como ética. Ou colocada no mesmo lugar. E este não é um dado qualquer. Por isso também é possível se desconectar do conteúdo real de suas falas, como fazem tantos de seus eleitores. E por isso é tão difícil que a sua desconstrução, por meio do conteúdo, tenha efeito sobre os seus eleitores. Quando a imprensa mostra que Bolsonaro se revelou um deputado medíocre, que ganhou seu salário e benefícios fazendo quase nada no Congresso, quando mostra que ele nada tem de novo, mas sim é um político tão tradicional como outros ou até mais tradicional do que muitos, quando mostra que falta consistência no seu discurso, assim como projeto que justifique seu pleito à presidência, há pouco ou nenhum efeito sobre os seus eleitores. Porque o conteúdo pouco importa. As agências de checagem são um bom instrumento para combater as notícias e as declarações falsas de candidatos, mas têm pouca eficácia para combater a autoverdade."
Leia o texto completo aqui.


E o PT?

A opinião de Eliane Brum, aqui direcionada para o universo bolsonariano, também pode ser aplicada sobre a parcela de eleitores do PT que questionam a prisão de Lula e acusam o judiciário de um complô contra o ex-presidente. Negar a legitimidade das decisões judiciais de três instâncias não seria um modo de impor sua autoverdade? (Embora os petistas tenham razão em questionar porque o processo de Lula andou mais rápido do que investigações contra Aécio, Serra, Alckmin, Jucá, Moreira Franco, Temer, etc. - a lista é longa.)

Tirinha sobre o impeachment

Podemos encontrar a autoverdade de Eliane Brum em uma tirinha de 2015, feita por Caetano Cury, do site Téo & O Mini Mundo - Tirinhas de Filosofia. É uma história em quadrinhos que satiriza os brasileiros que comemoravam que o governo de Dilma Rousseff ia mal. Era a turma do "quanto pior, melhor". De que lado você estava nesta época?


Tirinha sobre o comportamento do brasileiro na época do impeachment de Dilma Rousseff.



terça-feira, 25 de setembro de 2018

Do Contrato Social, Jean Jacques Rousseau - Vontade Geral - Capítulos VI, VII e VIII - Livro I

O homem selvagem era livre. A terra pertencia a todos. A natureza era seu lar. Com o tempo, o homem se multiplicou e passou a viver em grupos cada vez maiores. O homem foi de um estado natural para um estado de sociedade. Conflitos inéditos surgiram. Esse cenário justifica a assinatura de um pacto para que todos vivam em harmonia.

O inglês Thomas Hobbes sugere um estado que garanta a segurança do povo, que evite uma “guerra de todos contra todos” (2006). Já o pensador suíço Jean-Jacques Rousseau propõe o contrato social, um acordo em que todos abrem mão de suas liberdades individuais em troca de uma liberdade coletiva. Diferente de Hobbes, que defende um estado absolutista, Rousseau apresenta um modelo democrático de governo.

Na visão de Rousseau, o homem no estado de sociedade é obrigado a ser livre. Parece um paradoxo. Mas é ao limitar as liberdades individuais que se chega ao equilíbrio social. Ele busca:

"Achar uma forma de sociedade que defenda e proteja com toda força comum a pessoa e os bens de cada sócio, e pela qual, unindo-se cada um a todos, não obedeça todavia senão a si mesmo e fique tão livre como antes". (Rousseau, 2011, p.25)

Pelo contrato social, a soma de todos os indivíduos resulta no conceito de um único corpo: o soberano, norteado por uma vontade geral. Por meio do exercício da democracia direta, a vontade geral é codificada na forma de leis. A liberdade se conquista ao cumprir as regras definidas pela vontade geral. Se as leis não forem respeitadas e cada um voltar a agir como selvagens, a sociedade sucumbe.

"Do Contrato Social" foi escrito em 1762, contra os abusos e injustiças da época. As ideias organizadas por Rousseau inspiraram não só a Revolução Francesa mas servem como alicerce para as democracias que surgiram dali em diante. A Constituição brasileira de 1988, logo em seu primeiro artigo já define que "todo o poder emana do povo" e o fundamento número um da República Federativa do Brasil é a soberania.

A soberania é representada por pessoas eleitas pelo povo. Em tese, os representantes devem executar a vontade geral. Mas Rousseau deixa claro que vontade geral não significa unanimidade. Em seu contrato social, as vontades individuais são respeitadas, desde que não afrontem as decisões soberanas. Por isso, para o bem de todos, quem não obedecer à vontade geral, deverá ser punido.

Mas quando a punição é frouxa, as vontades individuais atropelam a vontade geral. Por exemplo, no Brasil, políticos visam quase sempre o interesse próprio. Aprovam projetos que contrariam os anseios da nação. Em vez de valorizar professores, sucateiam a educação. Em vez de proteger a natureza, liberam o agrotóxico. No lugar de equipar hospitais, desviam dinheiro.

A impunidade sabota a vontade geral. Se não sou punido, faço prevalecer minha vontade individual. A corrupção triunfa. A violência prospera. A barbárie se estabelece e retornamos à selvageria. Temos então a guerra de todos contra todos de Hobbes. Amedrontada, a população clamará por um salvador. E entregará sua vontade geral a um governo absolutista, sem perceber.

Vivemos em sociedade, mas o estado natural ainda habita em cada ser. Por isso, mecanismos de controle das liberdades individuais precisam beirar a perfeição. Caso contrário, a democracia de Rousseau parecerá uma utopia.

Referências:


BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p. (Série Legislação Brasileira).

HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2006.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2011. Título original francês: Du Contrat Social (1762)




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